
Paulo tem um vício. Um “hábito”, como ele gosta de chamar.
Toda semana, geralmente aos sábados, ele inicia uma espécie de ritual.
Já tranquilo do trabalho, casa vazia, pega seu kit de utensílios próprios para o preparo e vai pro seu cantinho especial consumir “a dose”.
O cenário é importante, ressalta Paulo, que prefere estar acompanhado de música ou algum filme.
Uma vez consumido, o pó branco parece lhe causar relaxamento, ao mesmo tempo em que lhe permite agora focar em outras coisas, como na própria música de fundo.
“Sem esse meu momento, acabo ficando estressado. Sei que me faz mal, mas gosto de curtir, e só assim consigo terminar a semana bem. Agora é relaxar e amanhã tô novo.”
Paulo não acha que exagera.
Mesmo reconhecendo os danos, ele só consegue ficar bem consumindo a branquinha. Sem ela, fica nervoso, inquieto, sente urgência. Faz falta.
Claro, você pode concluir, ele fala isso porque está viciado.
“Eu, que não tenho esse vício, não preciso de nada disso pra ser uma pessoa funcional e viver bem.”
Será?
O PLOT TWIST E A CIÊNCIA DO VÍCIO
O pó branco citado acima, é farinha.
Não “farinha”. Farinha mesmo, de trigo.
Sábado é dia de “Pizzada” para Paulo, que é neto de imigrantes italianos.
O ritual, tradição passada de geração em geração, vai desde o preparo caseiro com seus utensílios, até a arrumação da mesa da sala no melhor estilo italiano.
Já de barriga cheia, é só sentar e curtir um filme. Relaxado.
Apesar da barriguinha crescente e outros problemas como ansiedade durante a semana, Paulo não consegue abandonar o hábito diversas vezes apontado pelos médicos como uma fonte de muitos males pra saúde.
Em uma pesquisa publicada pelo British Journal of Sports Medicine em 2017, pesquisadores apontam que o açúcar produz “mais sintomas do que o requerido para ser considerado viciante”¹.
Em uma entrevista ao jornal The Guardian², DiNicolantonio, um dos cientistas responsáveis, destaca que “em estudos com animais, o açúcar é mais viciante do que a própria cocaína”. Sim, o tal pó branco.
Vale destacara aqui que por “Açucares” entendemos não apenas o açúcar branco, mas qualquer carboidrato refinado. Mesmo que não tenha sabor adocicado, estes produtos são rapidamente convertidos em glicose no corpo.
Assim como a cocaína, além de aditiva, o açúcar provoca inúmeros males à saúde física e mental de quem o consome. Cessar o consumo pode ser um desafio, com fortes sintomas de abistinência, e muitas vezes o usuário descreve um relacionamento romantizado e supostamente controlado com a substância³.
“É meu momento de prazer”, “faço pra relaxar”, “sinto falta”.
“Eu mereço depois de uma semana corrida”.
O MUNDO DAS INDÚSTRIAS E A ERA DO CÂNCER
Vivemos uma vida de excessos.
Devido à enorme desigualdade mundial, assistimos cenas de fome e imaginamos que o saldo líquido do planeta é escassez, quando de fato já produzimos mais comida do que precisamos — ela apenas é [muito] mal distribuída.
Se a fome não faz parte da sua realidade, você provavelmente já sofre de excessos.
E a indústria alimentícia aprendeu a te manter viciado nestes.
Mas o que é comida? Se você compreender que comida é apenas de uma substância que você ingere, será metabolizada e produzirá efeitos no seu corpo, fica evidente que açúcar e cocaína atendem ao mesmo conceito.
Se pelo fato de ser cheirada, e não exatamente “comida’, você a coloca em outra categoria, lembre-se de que a “coca” também já esteve nas prateleiras de supermercado.
Sim, na Coca-Cola.
Você bebia, sentia-se bem, se viciava e seu corpo sofria.
Hoje, olhamos pra trás com a clareza de quem entende o absurdo de colocar isto na mesa das famílias. Mas a indústria apenas substituiu o elemento viciante.
Quando será que vamos olhar horrorizados para um mundo que dava açúcar e outros carboidratos refinados para uma criança, na “Era do Câncer” e fragilidade imunológica?
Releia a história de Paulo com estas informações. Coloque-se em seu lugar.
Reflita, repense. Desconstrua.
A indústria de alimentos NÃO agradece.
Vamos juntos!
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¹ https://bjsm.bmj.com/content/52/14/910
² https://bjsm.bmj.com/content/52/14/910
³ https://www.theguardian.com/society/2017/jan/05/is-sugar-worlds-most-popular-drug